A vida a bordo de uma nau. Clique no link abaixo:
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A dura vida dos navegantes.
Fome, sede, doença e estupro eram apenas algumas das palavras incorporadas ao cotidiano dos navegantes nos séculos XV e XVI. Fugindo de uma vida dura na Europa, centenas de homens embarcaram nas caravelas dos descobrimentos. Alguns buscavam enriquecimento rápido e fama; outros, penitência pelos pecados e oportunidade de difundir a fé em Cristo. Eram atraídos pela brisa do mar e pela aventura, encontrando uma existência repleta de surpresas nem sempre agradáveis.
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A dura vida dos navegantes.
Fome, sede, doença e estupro eram apenas algumas das palavras incorporadas ao cotidiano dos navegantes nos séculos XV e XVI. Fugindo de uma vida dura na Europa, centenas de homens embarcaram nas caravelas dos descobrimentos. Alguns buscavam enriquecimento rápido e fama; outros, penitência pelos pecados e oportunidade de difundir a fé em Cristo. Eram atraídos pela brisa do mar e pela aventura, encontrando uma existência repleta de surpresas nem sempre agradáveis.
Dentre os obstáculos que precisaram ser vencidos para desbravar os
mares, nenhum supera a dureza do cotidiano nas caravelas. Os tripulantes
eram confinados a um ridículo espaço que impedia qualquer tipo de
privacidade. Os hábitos de higiene eram precários. Proliferavam insetos
parasitas: pulgas, percevejos e piolhos. O mau cheiro se acumulava,
tornando-se insuportável em pouco tempo. Além disso, havia o perigo
constante de naufrágio e a possibilidade de serem mal recebidos pelos
nativos. Ainda assim, apesar de todas as mazelas, a vida no mar podia
ser instigante: encontrar novas terras e gentes, escapar da rotina.
A rígida separação que existia na Europa entre nobres e plebeus, com
leis distintas para cada categoria, era atenuada no universo marítimo.
Só o mar podia proporcionar a quebra de hierarquia que dificilmente
ocorreria em terra, num continente dominado pelos títulos de nobreza que
separavam aqueles com sangue azul da imensa maioria da população. Os
perigos e o limitado espaço para circular a bordo estimulavam a
camaradagem, o que podia servir, inclusive, como meio de ascensão
social.
Não foram poucos os escudeiros e simples marujos que, por mérito,
acabaram agraciados com títulos de nobreza pelo rei de Portugal nos
séculos XV e XVI. Foi o caso de João Afonso de Aveiro, um simples
marinheiro que se tornou fidalgo e capitão de uma caravela, recebendo
terras e um brasão do rei D. João II, por volta de 1585. Ele participou
de expedições marítimas à África, embaixadas em terras de mouros como
tradutor, por dominar o idioma árabe, e de batalhas como escudeiro.
Mas o risco constante de motim fazia com que os marinheiros fossem
submetidos a uma rígida disciplina militar. Para garantir a ordem, cada
capitão era obrigado por lei a ter duas peças de artilharia em seu
camarote e a portar duas armas de fogo e uma espada.
Amotinados eram presos a ferros no porão, onde permaneciam até o fim da
viagem. Quando em terra, não eram julgados, mas perdiam direito ao
soldo e tinham os nomes incluídos numa lista negra que impedia que
fossem admitidos em outro navio. Em certa ocasião, por exemplo, o
capitão João Pereira Corte Real, tendo enfrentado um tumulto entre os
marujos, enforcou dois homens e matou outro com estocadas do cabo de sua
espada. O rei de Portugal – Filipe II, o mesmo que governava a Espanha
por meio da União Ibérica –, quando soube do ocorrido, julgou-o
merecedor de uma recompensa.
O ambiente de permanente tensão era gerado, em parte, pelo aperto a
bordo. As caravelas tinham dimensões modestas. Desenvolvidas a partir de
uma confluência de tradições, havia uma grande variedade de tipos, com
dimensões entre sete e 18 metros de comprimento, tendo uma largura de um
para três. Isto significa que a chamada “caravela latina”, a mais
utilizada nas viagens de exploração da costa africana, com 16 metros de
comprimento, teria cerca de cinco metros de largura.
Além do convés, que ficava a céu aberto, qualquer tipo de caravela
tinha no máximo mais dois pavimentos inferiores. Este espaço era lotado
com canhões, pólvora, munição e, principalmente, água e alimentos
necessários para enfrentar o alto-mar, deixando pouco espaço para os
marujos.
O número de tripulantes variava entre 12 e 120, muitas vezes
envolvendo, além de marinheiros, bombardeiros responsáveis pelo manuseio
dos canhões e soldados que deveriam garantir a segurança no desembarque
em praias lotadas de nativos potencialmente hostis.
Nos pavimentos inferiores, o ar e a luz eram extremamente escassos,
fornecidos apenas por fendas entre os ripados de madeira, que também
deixavam passar água, tornando os porões abafados, quentes e úmidos.
Nesse ambiente insalubre, apinhado de carga, os marinheiros ficavam
amontoados em um único cômodo.
Cada marujo possuía um baú para guardar seus pertences, alojado embaixo
do catre inferior, uma espécie de beliche de três ou quatro pavimentos
de madeira que servia de cama, sem o conforto dos modernos colchões. Ali
os tripulantes se revezavam para descansar.
Devido ao aperto nos navios, o abastecimento e a alimentação
constituíram um problema permanente. Os gêneros embarcados tinham sempre
uma péssima qualidade. Estavam frequentemente deteriorados ainda no
início da viagem e terminavam apodrecendo em pouco tempo.
O rol dos produtos oficialmente embarcados incluía carne vermelha
defumada, peixe seco ou salgado, favas, lentilhas, cebolas, vinagre,
banha, azeite, azeitonas, farinha de trigo, laranjas, biscoitos, açúcar,
mel, uvas-passas, ameixas, conservas e queijos. Também eram
transportados barris de vinho e água, embora, depois de algumas semanas,
o vinho se transformasse em vinagre e a água, em um fétido criadouro de
larvas.
Para garantir a presença de alimento fresco, iam a bordo alguns animais
vivos, principalmente galinhas, e, por vezes, bois, porcos, carneiros e
cabras, brindando os embarcados com muito esterco e urina, que
contribuíam para agravar o quadro de doenças entre os humanos.
Mesmo assim, raramente havia carne vermelha fresca, e, quando existia,
uma arroba era fornecida, por mês, para cada homem – o equivalente a
2,510 quilos. Receber esta regalia era raridade. O embarque de animais
de grande porte não era recomendado, tomava muito espaço, consumia
víveres e água, deixava o ambiente ainda mais insalubre. Com sorte,
peixe seco, cebolas e alho podiam ser fornecidos. Muitas vezes, na falta
de lenha, peixe e carne eram consumidos crus.
Em viagens longas, passado um mês, o que sobrava para comer era uma
espécie de biscoito duro e seco, então já todo roído por ratos e
baratas. Nestas condições, a ração era distribuída três vezes ao dia,
praticamente nunca excedendo uma porção de biscoitos, meia medida de
vinho e uma de água. Diante da iminência da fome, muitos traziam seu
próprio estoque de comida, outros optavam por tentar pescar nos períodos
de calmaria ou caçar os muitos ratos presentes a bordo.
A dieta pobre em vitaminas explica diversas doenças que se tornaram
corriqueiras nos navios, com sintomas como disenteria, febre, fraqueza
extrema e desnutrição. A principal era o escorbuto, chamado na época de
“mal das gengivas” ou “mal de Luanda”, provocado pela falta de vitamina
C. Causava inchaço das gengivas e perda dos dentes, dilatações e dores
nas pernas, conduzindo a uma lenta, horrível e dolorosa morte.
Ironicamente, no caso do consumo de ratos – o animal sintetiza a
vitamina C a partir dos alimentos que consome –, os infortúnios vividos
pelos mareantes em desespero, sem que soubessem, terminavam evitando o
aparecimento do escorbuto.
A ausência de hábitos básicos de higiene piorava os estragos causados
pelo alto grau de deterioração dos víveres. Não era costume, por
exemplo, lavar as colheres, as gamelas e os pratos usados. Estes
utensílios eram compartilhados, sendo de uso coletivo entre os
tripulantes. Além disso, piolhos, pulgas e percevejos saltavam dos
animais transportados e encontravam nas pessoas um farto terreno para
proliferar.
Os tripulantes precisavam conter sua repugnância diante dos
companheiros de viagem, que arrotavam, vomitavam, soltavam ventos e
escarravam perto dos que comiam sua escassa refeição. Não havia
instalações sanitárias a bordo. Eles faziam as necessidades se
debruçando no costado da nau, na borda do navio, voltados para o mar.
Alguns caíam enquanto buscavam alívio e nunca mais eram vistos. Aqueles
que podiam, valiam-se de bacios, cujo conteúdo fétido era depois
despejado em qualquer canto.
Tudo em meio ao convívio com gente que havia embarcado fugindo de
desafetos ou da Justiça. Apesar de muitos buscarem redenção pelos
pecados, outros estavam à procura de oportunidades de arranjar mais
encrenca, cometer estupros ou atirar o companheiro ao mar para se
apoderar de seus pertences.
Embora obstáculos como esses desestimulassem o sonho mercantilista e
cristianizador, nada pôde impedir que o espírito de aventura fosse
efetivado. Cada dificuldade serviu de lição para a etapa seguinte,
possibilitando o domínio, pelos europeus, dos mares por desbravar.
Fábio Pestana Ramosé professor do Centro Universitário Monte Serrat e autor de Por mares nunca dantes navegados: a aventura dos descobrimentos (Contexto, 2008).
Saiba Mais - Bibliografia
LAPA, José Roberto do Amaral. A Bahia e a Carreira da Índia. São Paulo: Companhia Editora Nacional/Editora da Universidade de São Paulo, 1986.
MERRIEN, Jean. A vida quotidiana dos marinheiros no tempo do Rei-Sol. Lisboa: Livros do Brasil, s.d.
MICELI, Paulo.O Ponto onde estamos. São Paulo: Scritta, 1994.
Filmes
“Mestres dos Mares: o lado mais distante do mundo”, de Peter Weir (2004).
Artigo da Revista de História:
Um comentário:
Os navegantes foram motivados por uma combinação de ambição, valentia e inconsequência. Ampliaram os horizontes geográficos e culturais e lançaram, sem querer e saber, as sementes de processos sociais que culminariam nesta globalização do século XXI.
Turminha arretada!
Postagem bem feita e agradável de ler. Parabéns.
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